Saltar para o conteúdo

Marcel Proust

Origem: Wikiquote, a coletânea de citações livre.
(Redirecionado de Proust)
Marcel Proust
Marcel Proust
Marcel Proust en 1895.
Nascimento Valentin Louis Georges Eugène Marcel Proust
10 de julho de 1871
16.º arrondissement de Paris
Morte 18 de novembro de 1922 (51 anos)
16.º arrondissement de Paris
Cidadania França
Ocupação romancista, ensaísta, escritor, crítico literário, poeta, prosista
Assinatura

Valentin-Louis-Georges-Eugène-Marcel Proust (10 de Julho de 1871 - 18 de Novembro de 1922) foi um intelectual francês, um escritor de romances e ensaios e crítico literário, conhecido sobretudo pela sua obra "Em busca do tempo perdido" (À la recherche du temps perdu). Era filho de um médico famoso, católico. Sua mãe era judia. Marcel Proust foi educado na cultura católica.


Obras

[editar]
- l'adolescence est le seul temps où l'on ait appris quelque chose
- A la recherche du temps perdu - Volume 4 - Página 31, Marcel Proust · Gallimard, 1919
  • "Os dias talvez sejam iguais para um relógio, mas não para um homem."
- Les jours sont peut-être égaux pour une horloge, mais pas pour un homme.
- Oeuvres completes de Marcel Proust - Volume 10 - Página 113, Marcel Proust - Éditions de la Nouvelle revue française, 1936
  • "Se sonhar um pouco é perigoso, a solução não é sonhar menos e sim sonhar mais, sonhar o tempo todo".
- If a little day-dreaming is dangerous, the cure for it is not to dream less but to dream more, to dream all the time.
- Within a budding grove - Volume 1 - Página 198, Marcel Proust - Chatto & Windus,1924
  • "A felicidade é salutar para o corpo, mas só a dor robustece o espírito."
- Le bonheur est salutaire pour les corps, mais c'est le chagrin qui développe les forces de l'esprit.
- La temps retrouve - Volume 15, Página 56, Marcel Proust - Gallimard, 1927
  • "Só se ama aquilo que não se possui completamente."
- Em busca do tempo perdido - página 2251, Marcel Proust, tradução de Fernando Py - Nova Fronteira, 2016, ISBN 8520941141, 9788520941140, 2472 páginas

No caminho de Swann

[editar]
  • O Dr. Cottard nunca sabia ao certo como deveria responder a alguém, se seu interlocutor queria rir ou estava sério. E, ao acaso, ele acrescentava a todas as suas expressões fisionômicas o oferecimento de um sorriso condicional e provisório na finura expectante, o desculparia da censura de ingenuidade, se as palavras que lhe dirigiam, fossem de fato espirituosas. Porém, como tinha de enfrentar a face oposta, nunca deixava o sorriso se afirmar nitidamente no rosto, onde se via flutuar perpetuamente uma incerteza em que se lia a pergunta que não tem coragem de fazer: "O senhor fala isto a sério?" Da mesma maneira que nos salões, não estava igualmente certo de como devia se comportar na rua, e até, em geral na vida, e assim opunha aos passantes, aos carros e aos acontecimentos um só malicioso, que previamente eliminava de sua atitude toda impropriedade, visto que provava, se não era adequada ao caso, que ele bem o sabia e só por zombar procedera daquele jeito. Entretanto, em todos os assuntos onde era permitido, o doutor não deixava de esforçar-se para restringir o campo de incertezas e de completar sua instrução.” [Atenção: este trecho não corresponde exatamente ao original em português, ou seja, à tradução de Mário Quintana, editora Globo, 1948, devendo ser consultado, portanto, no livro para se ler o trecho na versão original. O mesmo deve ter ocorrido aos trechos abaixo) (nota de Ana P.).
  • “A imobilidade das coisas que nos cercam talvez lhes seja imposta por nossa certeza de que essas coisas são elas mesmas e não outras, pela imobilidade de nosso pensamento perante elas.”
  • “Essas evocações torvelinhantes e confusas nunca duravam mais que alguns segundos; muitas vezes, minha breve incerteza do local em que me achava não permitia tampouco distinguir uma das outras as diversas suposições que a constituíam, da mesma forma que não isolamos, ao ver um cavalo correndo, as posições sucessivas que nos mostra o cinetoscópio.”
  • “… até que o hábito mudasse a cor dos cortinados, emudecesse a pêndula, insuflasse piedade ao espelho oblíquo e cruel, dissimulasse, já que não o extinguia de todo, o cheiro do vetiver, e diminuísse notavelmente a altura aparente do teto. O hábito! Camareiro hábil, mas bastante moroso, que começa por deixar sofrer nosso espírito durante semanas em uma instalação provisória; mas que, apesar de tudo, é lhe grato encontrar, pois que, sem o hábito e reduzido a seus próprios recursos, seria nosso espírito incapaz de nos tornar habitável qualquer alojamento.”
  • “... em seu olhar, um sorriso no qual, contrariamente ao que se lê no rosto de muitos humanos, não havia ironia senão para consigo mesma, e, para nós todos, como que um beijo de seus olhos, que não podiam ver aqueles a quem queria sem os acariciar apaixonadamente com o olhar.”
  • “Mas nem mesmo com referência as mais insignificantes coisas da vida somos nós um todo materialmente constituído, idêntico para toda a gente e de que cada qual não tem mais do que tomar conhecimento, como se se tratasse de um livro de contas ou de um testamento; nossa personalidade social é uma criação do pensamento alheio.”
  • “A calma que resultava de minhas angústias findas dava-me uma alegria extraordinária, não menos que a espera, a sede e o medo do perigo.”
  • “Mas como o que eu então recordasse me seria fornecido unicamente pela memória voluntária, a memória da inteligência, e como as informações que ela nos dá sobre o passado não conservam nada deste, nunca me teria lembrado de pensar no restante de Combray. Na verdade, tudo isso estava morto para mim.”
  • “É assim com nosso passado. Trabalho perdido procurar evocá-lo, todos os esforços de nossa inteligência permanecem inúteis. Está ele oculto, fora de seu domínio e de seu alcance, em algum objeto material (na sensação que nos daria esse objeto material) que nós nem suspeitamos. Esse objeto, só do acaso depende que o encontremos antes de morrer, ou que não o encontremos nunca.”
  • “Mas no mesmo instante em que aquele gole, de envolta com as migalhas do bolo, tocou meu paladar, estremeci, atento ao que se passava de extraordinário em mim. Invadira.me um prazer delicioso, isolado, sem noção de sua causa. Esse prazer logo me tornaria indiferente às vicissitudes da vida, inofensivos seus desastres, ilusória sua brevidade, tal como o faz o amor, enchendo-me de uma preciosa essência: ou antes, essa essência não estava em mim, era eu mesmo. Cessava de me sentir medíocre, contingente, mortal. De onde me teria vindo aquela poderosa alegria? Senti que estava ligada ao gosto do chá e do bolo, mas que ultrapassava infinitamente e não devia ser da mesma natureza. De onde vinha? Que significava? Onde apreendê-la? Bebo um segundo gole que me traz um pouco menos que o segundo. É tempo de parar, parece que está diminuindo a virtude da bebida. É claro que a verdade que procuro não está nela, mas em mim. A bebida a despertou, mas não a conhece, e só o que pode fazer é repetir indefinidamente, cada vez com menos força, esse mesmo testemunho que não sei interpretar e que quero tornar a solicitar-lhe daqui a um instante e encontrar intato a minha disposição, para um esclarecimento decisivo. Deponho a taça e volto-me para meu espírito. É a ele que compete achar a verdade. Mas como? Grave incerteza, todas as vezes em que o espírito se sente ultrapassado por si mesmo, quando ele, o explorador, é ao mesmo tempo o país obscuro a explorar e onde toso o seu equipamento de nada lhe servirá. Explorar? Não apenas explorar: criar. Está diante de qualquer coisa que ainda não existe e a que só ele pode dar realidade e fazer entrar em sua luz.”
  • “Mas quando mais nada subsiste de um passado remoto, após a morte das criaturas e a destruição das coisas, sozinhos, mais frágeis porém mais vivos, mais imateriais, mais persistentes, mais fiéis, o odor e o sabor permanecem ainda por muito tempo, como almas, lembrando, guardando, esperando, sobre as ruínas de tudo o mais, e suportando sem ceder, em sua gotícula impalpável, o edifício imenso da recordação.”
  • “É verdade que lá em casa há toda sorte de coisas inúteis. Só lhe falta o necessário, um grande pedaço de céu como aqui. Trate de conservar um pedaço de céu acima de sua vida, meu menino — acrescentava, voltando-se para mim. — Tem uma bela alma, de qualidade rara, uma natureza de artista, não a deixe em falta do que lhe é preciso.”
  • “Mas todos os sentimentos que nos fazem experimentar a alegria ou o infortúnio de uma personagem real só se produzem em nós por intermédio de uma imagem dessa alegria ou desse infortúnio; todo o engenho do primeiro romancista consistiu em compreender que, sendo a imagem o único elemento essencial na estrutura de nossas emoções, a simplificação que consistisse em suprimir pura e simplesmente as personagens reais seria um aperfeiçoamento decisivo.”
  • “E uma vez que o romancista nos pôs nesse estado, no qual, como em todos os estados puramente interiores, cada emoção é duplicada, e em que seu livro vai nos agitar como um sonho, mas um sonho mais claro do que aqueles que sonhamos a dormir e cuja lembrança vai durar mais tempo, eis que então ele desencadeia em nós, durante uma hora, todas as venturas e todas as desgraças possíveis, algumas das quais levaríamos anos para conhecer na vida, e outras, as mais intensas dentre elas, jamais nos seriam reveladas, pois a lentidão com que se processam nos impede de as perceber (assim muda nosso coração, na vida, e esta é a mais amarga das dores; mas é uma dor que só conhecemos pela leitura, pela imaginação; porque na realidade o coração se nos transforma do mesmo modo por que se produzem certos fenômenos da natureza, isto é, com tamanho vagar que, embora possamos ver cada um de seus diferentes estados sucessivos, por outro lado escapa-nos a própria sensação da mudança).”
  • “Pouco a pouco seu espírito não teve mais ocupações que adivinhar a cada momento o que poderia estar fazendo Françoise e o que pretendia ocultar-lhe.”
  • “Ele não podia saber, pelo menos por si mesmo, que era esnobe, pois nós só conhecemos as paixões dos outros, e o que chegamos a saber das nossas apenas são eles que no-lo vão dizer.”
  • “A meia altura de uma árvore indeterminada, um pássaro invisível empenhava-se em que fosse breve o dia, explorando com uma nota prolongada a solidão circundante, mas recebia desta uma réplica tão unânime, um contragolpe tão reduplicado de silêncio e imobilidade que dir-se-ia que ele acabava de parar para sempre o instante que procurava fazer passar mais depressa.”
  • “Seus olhos negros fulguravam e, como eu então não sabia, nem o aprendi depois, reduzir a seus elementos objetivos uma impressão muito forte, como não tinha suficiente “espírito de observação”, como se diz, para poder isolar a noção de sua cor, durante muito tempo, de cada vez que pensava nela, a lembrança do fulgor de seus olhos logo se me apresentava como de vivíssimo azul, visto que ela era loira; de modo que, se acaso não tivesse uns olhos tão negros — coisa que tanto surpreendia ao vê-la pela primeira vez —, eu não teria ficado, como fiquei, mais particularmente enamorado, nela, de seus olhos azuis.”
  • “Assim passou junto a mim esse nome de Gilberte, oferecido como um talismã que me permitiria talvez reencontrar um dia aquela de quem ele acabava de fazer uma pessoa e que, um momento antes, não era mais do que uma incerta imagem.”
  • “Via-me então obrigado a tomar respiração, de tal modo esse nome, pousando no lugar em que estava sempre gravado em mim, me pesava até a asfixia, pois no momento em que o ouvia, ele se me afigurava mais denso do que qualquer outro, visto que me trazia o peso de todas as vezes em que o pronunciara mentalmente.”
  • “Não era o mal que lhe dava idéia do prazer, que lhe parecia agradável; era o prazer que lhe parecia maligno.”
  • “Não teria acaso pensado que o mal fosse um estado tão raro, tão extraordinário, tão isolante e para onde era tão grato emigrar, se soubesse discernir em si mesma, como em todos os outros, essa indiferença pelos sofrimentos que nós mesmos causamos e que, por mais diversos nomes que lhe dêem, é a forma terrível e permanente da crueldade.”
  • “Mas é só isso a senhora de Guermantes?!, dizia a cara atenta e espantada com que eu contemplava aquela imagem que naturalmente não tinha relação alguma com as outras que me haviam aparecido em sonhos sob o mesmo nome de senhora de Guermantes, pois essa não fora arbitrariamente formada por mim como as primeiras, mas me saltara aos olhos pela primeira vez apenas um momento antes, na igreja; não era da mesma natureza, não era colorível à vontade como as que se deixavam impregnar tinta alaranjada de uma sílaba, mas era tão real que tudo, até aquela espinhazinha que se inflamava na asa do nariz, certificava sua sujeição às leis da vida, como, em uma apoteose de teatro, uma ruga do vestido de fada, um tremor de seu dedo mínimo, denunciavam a presença material de uma atriz viva ali onde achávamos incertos se não teríamos ante os olhos uma simples projeção luminosa.”
  • “Assim o lado de Méséglise e o lado de Guermantes se acham para mim ligados a muitos dos pequenos acontecimentos dessa vida que é, de todas as diversas vidas que paralelamente vivemos, a mais cheia de peripécias, a mais rica em episódios, quero dizer a vida intelectual.”
  • “Ou porque a fé que cria se haja estancado em mim, ou porque a realidade só se forme na memória, as flores que hoje me mostram pela primeira vez não me parecem flores de verdade.”
  • “Quando encontrava em viagem uma família com a qual seria elegante não travar relações, mas em que descobria certa mulher com um encanto que ainda lhe era desconhecido, ‘guardar a linha’ e enganar o desejo que ela lhe despertara, substituir o prazer que poderia conhecer com ela por um prazer diferente, escrevendo a uma antiga amante para que viesse vê-lo, isso lhe pareceria uma abdicação tão covarde diante da vida e uma renúncia tão estúpida a uma nova felicidade, como se em vez de visitar a terra onde se achava, se metesse em seu quarto, a olhar ‘vistas’ de Paris.”
  • “Mas as notas se esvaem antes que essas sensações estejam cabalmente formadas em nós para não serem submersas pelas que despertam as notas seguintes ou mesmo simultâneas. E essa impress.ao continuaria a envolver com a sua liquidez e o seu som ‘fundido’ os motivos que por instantes emergem, apenas discerníveis, para em seguida mergulhar e desaparecer, somente percebidos pelo prazer particular que dão, impossíveis de descrever, de lembrar, de nomear, inefáveis — se a memória, como um obreiro que procura assentar alicerces duráveis das ondas, fabricando-nos fac-símiles dessas frases fugitivas, não nos permitisse compará-las às que se sucedem e diferenciá-las. (...) Ele lhe concebia a exensão, os grupos simétricos, a grafia, o valor expressivo; tinha diante de si essa coisa que não é mais música pura, que é desenho, arquitetura, pensamento, tudo o que nos torna possível recordar a música.”
  • “E sofrendo ao pensar, quando a frase passava tão próximo e ao mesmo tempo no infinito, que, enquanto se dirigia a eles, não os conhecia, Swann quase lamentava que ela tivesse um significado, uma beleza intrínseca e fixa, estranha aos dois, como, na jóia que damos ou mesmo na carta que recebemos da amada, censuramos à água da gema e às palabras da linguagem não serem constituídas unicamente da essência de um amor fugaz e de uma determinada criatura.”
  • “Ao ver que ela já não se achava na sala, Swann sentiu um golpe no coração; tremia ao se ver privado de um prazer que pela primeira vez avaliava, pois até então tivera a certeza de o encontrar quando quisesse, coisa que sempre diminui ou até nos impede de apreciar o que vale um prazer.”
  • “De todos os modos de produção do amor, de todos os agentes de disseminação do mal sagrado, um dos mais eficazes é esse grande torvelinho de agitação que às vezes sopra sobre nós. Então a sorte está lançada, e a criatura com quem nesse momento nos comprazemos será a criatura amada. Nem mesmo é necessário que até então nos tenha agradado mais que as outras, ou tanto como as outras. O que era preciso é que nossa inclinação por ela se tornasse explusiva. E essa condição se realiza quando — no instante em que ela nos faltou — sentimos em nós não o desejo de buscar prazeres que o seu convívio nos proporciona, mas uma necessidade angustiosa, que tem por objeto essa mesma criatura, uma necessidade absurda, que as leis desse mundo tornam impossível de satisfazer e difícil de curar — a necessidade insensata e dolorosa de possuí-la.”
  • “E o prazer que lhe dava a música e que em breve ia criar nele uma verdadeira necessidade, assemelhava-se com efeito, em tais momentos, ao prazer que sentiria ao experimentar perfumes, ao entrar em contato com um mundo para o qual não fomos feitos, que nos parece sem forma porque nossos olhos não o percebem, sem significado porque escapa à nossa inteligência, e nós só o atingimos por um único sentido.” (p. 232)
  • “Pois bem — acrescentava ele com essa leve emoção que experimentamos quando, mesmo sem o notar, dizemos uma coisa não porque seja verdadeira, mas porque sentimos prazer em diz~e-la e a escutamos através de nossa própria voz como se não viesse de nós mesmos —, a sorte está lançada, resolvi amar apenas aos corações magnâmicos e só viver na magnanimidade.”
  • “Há autores originais em quem a menor ousadia causa revolta porque não lisonjearam de início os gostos do público e não lhe serviram os lugares-comuns a que estava habituado; era da mesma forma que Swann indignava ao sr. Verdurin. No caso de Swann, como no daqueles autores, era a novidade da linguagem que fazia acreditar na perversidade das suas intenções.”
  • “Na maioria das vezes, só se encontrava com Odette à noite; mas de dia, como receasse fatigá-la indo à sua casa, queria ao menos não deixar de ocupar-lhe o pensamento, e a todo instante procurava ensejo de fazer-se lembrado, mas de maneira agradável para ela. Se via na montra de um florista ou de um ourives alguma planta ou jóia que lhe agradassem, logo pensava em enviá-las a Odette, imaginando que aquele prazer que sentiria ao vê-las também ela o sentiria, e viria a aumentar o seu afeto, e mandava-as imediatamente à rua La Pérouse para não retardar o instante em que, ao receber Odette alguma coisa da sua parte, pudesse ele de algum modo sentir-se junto dela.”
  • "... vestia-se pensando em Odette, e assim não se sentia sozinho, pois o pensamento constante de Odette dava aos instantes em que se achava longe dela o mesmo encanto daqueles em que estavam juntos.”
  • “Mas nesse estranho período do amor, o individual assume algo de tão profundo, que aquela curiosidade que sentia despertar em si relativamente às menores ocupações de uma mulher era a mesma que tivera outrora pela História.”
  • “Afastou-se desculpando-se e regressou a casa, feliz de que a satisfação de sua curiosidade houvesse deixado inato o seu amor e, depois de haver por tanto tempo dissimulado uma espécie de indiferença para com Odette, não lhe ter dado, com uma demonstração de ciúme, a prova de que a amava demasiado, o que, entre dois amantes, dispensa para sempre, àquele que a recebe, de amar o suficiente.”
  • "E apesar de tudo, Swann sentia-se feliz em ver que, se dentre todos os mortais era o único que não tinha o direito de ir naquele dia a Pierrefonds, era por ser ele, para Odette, alguém muito diferente dos outros, o seu amante, e aquela restrição particular ao direito universal de livre circulação não passva de uma das formas daquela escravatura, daquele amor que lhe era tão caro.”
  • “No entanto, parecia-lhe que aquilo cuja ausência lamentava era enfim uma atmosfera de calma, de paz, que não seria favorável ao seu amor. Quando Odette deixasse de ser para ele uma criatura sempre ausente, desejada, imaginária, quando o sentimento que ela lhe inspirava já não fosse aquela mesma misteriosa perturbação que lhe causava a frase da Sonata, mas pura afeição e reconhecimento, quando se estabelecessem entre ambos relações normais que dariam fim à sua loucura e à sua tristeza, então por certo os atos da vida de Odette lhe pareceriam pouco interessantes em si mesmos — como já várias vezes o suspeitara ...”
  • “Como todos os que possuem uma coisa, Swann, para ver o que aconteceria se deixasse um momento de possuí-la, tirara essa coisa de seu espírito, ali deixando tudo o mais no mesmo estado de quando ela ali estava. Ora, a ausência de uma coisa não é apenas isso, não é uma simples falta parcial, é um transtorno de todo o resto, é um estado novo que não se pode prever no antigo.”
  • “Mas de súbito foi como se ela tivesse entrado, e essa aparição foi para ele uma dor tão dilacerante que teve de levar a mão ao peito. É que o violino subira a notas altas onde permanecia como para uma espera, uma espera que se prolongava sem que o instrumento cessasse de as sustentar, na exalação em que estava de já perceber o objeto da sua espera que se aproximava, e com um desesperado esforço para durar até sua chegada, acolhê-lo antes de expirar, manter-lhe ainda um momento com todas as suas derradeiras forças o caminho aberto para que ele pudesse passar, como se sustenta uma porta que sem isso se fecharia. E antes que Swann tivesse tempo de compreender e dizer consigo: ‘É a pequena frase da sonata de Vinteuil, não escutemos!’ todas as lembranças do tempo em que Odette estava enamorada dele e que até aquele dia conseguira manter invisíveis nas profundezass de seu ser, iludidas por aquela brusca revelação do tempo de amor que lhes parecia ter voltado, despertaram e subiram em revoada para lhe cantar apaixonadamente, sem piedade para com seu atual infortúnio, os refrões esquecidos da felicidade.”
  • “Há no violino — quando não se vê o instrumento e não se pode ligar o que se ouve à sua imagem, coisa que modifica a sonoridade — acentos que lhe são tão comuns com sertas vozes de contralto, que se tem a ilusão de que uma cantora veio juntar-se ao concerto. Erguemos os olhos e só vemos as caixas dos violinos, preciosas como estojos chineses, mas, por um momento, ainda nos iludimos com o enganoso apelo da sereia; às vezes também se julga ouvir um gênio cativo que se debate no fundo da sábia caixa, enfeitiçada e fremente, como um diabo numa pia d’água benta; ou então é no ar que o sentimos como um ser sobrenatural e puro que passasse desenrolando a sua invisível mensagem.”
  • “Como se os instrumentistas estivessem, mais que tocando a frase, executando os ritos por ela exigidos para aparecer e procedendo aos sortilégios necessários para conseguir e prolongar por alguns instantes o prodígio da sua evocação. Swann, que tanto não a podia ver qual se ela pertencesse a um mundo ultravioleta, e que gozava como que o refrigério de uma metamorfose na momentânea cegueira que o acometia ao aproximar-se dela, Swann a sentia presente, como uma deusa protetora e confidente do seu amor e que, para chegar até ele diante da multidão, e levá-lo à parte para lhe falar, tomava o disfarce daquela aparência sonora.”
  • “Swann havia encarado todas as possibilidades. A realidade é, pois, alguma coisa que não tem nenhuma relação com as possibilidade, da mesma forma que uma facada que recebemos nada tem a ver com o leve movimento das nuvens acima da nossa cabeça, ...”
  • “Coisa estranha que tais palavras, ‘umas duas ou três vezes’, nada mais que palavras, palavras pronunciadas no ar, a distância, possam assim dilacerar o coração como se o tocassem de verdade, possam fazer adoecer, como um veneno que se ingerisse.”
  • “A existência do amor de Swann, a constância do seu ciúme, eram constituídos da morte, da inconstência de inumeráveis desejos, de inumeráveis dúvidas, que tinham todos Odette por objeto. Se permanecesse muito tempo sem vê-la, aqueles que morriam não seriam substituídos por outros. Mas a presença de Odette continuava a semear o coração de Swann de alternadas ternuras e suspeitas.”
  • “Muitas vezes, outrora, ao pensar com terror que algum dia deixaria de amar Odette, resolvera ficar em vigilância e, logo que sentisse que o amor começava a abandoná-lo, apegar-se a ele, retê-lo bem. Mas eis que ao enfraquecimento de seu amor correspondia simultaneamente um enfraquecimento do desejo de permanecer enamorado.”
  • “Como os diferentes acasos que nos põem em presença de certas pessoas não coincidem com o tempo em que nós as amamos, mas, ultrapassando-o, podem suceder antes que ele comece e repetir-se depois que findou, as primeiras aparições que faz em nossa vida um ser destinado a agradar-nos mais tarde, assumem retrospecivamente para nós um valor de advertência, de presságio.”
  • “Tão múltiplos são os interesses de nossa vida que não é raro que, numa mesma circunstância, os marcos de uma felicidade que ainda não existe estejam pousados ao lado da agravação de um mal de que sofremos.”
  • “Mas se esses nomes absorveram para sempre a imagem que eu formava dessas cidade, assim o fizeram transformando-as e submetendo às suas próprias leis o seu reaparecimento em mim; tiveram por conseqüência tornar essa imagem mais bela, mas também mais diferente daquilo que as cidades da Normandia e da Toscana podiam se na realidade, e agravar a futura decepção de minhas viagens com o incremento que davam às alegrias arbitrárias de minha imaginação. Exalçavam a idéia que eu fazia de certos lugares da terra, tornando-os mais particulares e por conseguinte mais reais.”
  • “O que as palavras nos apresentam das coisas é uma imagem clara e usual como essas que se dependuram nas paredes das escolas para dar às crianças o exemplo do que é um banco, um pássaro, um formigueiro, coisas tidas como semelhantes a todas as do mesmo gênero.”
  • “... aquilo a que minha imaginação aspirava e que meus sentidos só percebiam no presente de modo incompleto e sem prazer nenhum, eu o havia encerrado no refúgio dos nomes; e como eu ali acumulara sonho, esses nomes imantavam agora os meus desejos; ...”
  • “as terras que desejamos ocupam a cada momento muito mais espaço em nossa vida verdadeira do que a terra onde efetivamente nos achamos.”
  • “O desinteresse de seu pensamento era tal, quanto a tudo o que, de perto ou de longe, parecesse estar relacionado com a vida mundana, que o seu senso auditivo tendo por fim compreendido sua inutilidade momentânea desde que, ao jantar, a conversa assumia um tom frívolo ou unicamente terra-a-terra, sem que elas pudessem fazê-la retornar aos assuntos que lhes eram caros -, deixava portanto em repouso os seus órgãos receptores, fazendo-os sofrerem um verdadeiro princípio de atrofia."
  • “Existem autores originais em quem a menor ousadia causa revolta, eles antes não tiveram o cuidado de lisonjear os gostos do público e não serviram os lugares-comuns a que ele está habituado."
  • “Veja, só há duas classes de pessoas: os magnânimos e os outros; e cheguei a uma idade em que é preciso tomar partido, decidir de uma vez por todas a quem amar, e a quem desdenhar; juntar-se àqueles a quem amamos e, para recuperar o tempo perdido com os outros, não mais deixá-los até a morte. (…) eu escolhi gostar dos únicos seres magnânimos e viver amenas na magnanimidade."
  • “E essa doença, que era o amor de Swann, multiplicara-se de tal maneira, estava tão estreitamente unida a todos os seus hábitos, a todos os seus atos, seu pensamento, sua saúde, seu sono, sua vida, até ao que ele desejava depois da morte, formava de tal modo um todo só com ele, que não seria possível arrancá-lo de Swann sem o destruir quase por inteiro: como se diz em cirurgia, seu amor não era mais operável."
  • “E Swann sentia bem próximo ao coração aquele Maomé ali, de quem admirava o retrato feito por Bellini e que, tendo sentido que se apaixonara loucamente por uma de suas mulheres, apunhalou-a a fim de, segundo confessa ingenuamente seu biógrafo veneziano, reencontrar sua liberdade de espírito."
  • “Ainda assim, mesmo do ponte de vista da simples quantidade, em nossa vida os dias não são iguais. Os dias, os temperamentos um pouco nervosos, como era o meu, dispõem de automóveis, de “velocidade” diferentes. Há dias acidentados e a gente leva um tempo infinito a transpor, e dias em declive que se deixa a toda velocidade cantando."
  • “(…) e chorei de alegria e confiança sobre as páginas do escritor como nos braços de um pai reencontrado."
  • “Eu a olhava, primeiro com o olhar que é apenas o porta-voz dos olhos, mal à janela do qual se debruçam todos os sentidos, ansiosos e petrificados, o olhar que desejaria tocar, capturar, levar consigo o corpo que está olhando e com ele a alma (…)"
  • “Muitas veses, outrora, ao pensar com terror que algum dia deixaria de amar Odette, resolvera ficar em vigilância e, logo que sentisse que o amor começava a abandoná-lo, apegar-se a ele, retê-lo bem. Mas eis que ao enfraquecimento de seu amor correspondia simultaneamente um enfraquecimento do desejo de permanecer enamorado.”
- No caminho de Swann - página 447, Marcel Proust, tradução de Mario Quintana, Globo Livros, ISBN 8525052612, 9788525052612

A sombra das raparigas em flor

[editar]
  • "Quando pela primeira vez se tratou de convidar o sr. de Norpois para jantar em nossa casa, como lamentasse minha mãe que o professor Cottard estivesse em viagem e que ela própria houvesse deixado completamente de freqüentar Swann, pois tanto um como outro certamente interessariam ao ex-embaixador, respondeu-lhe o pai que um conviva eminente, um sábio ilustre como Cottard nunca faria má figura à mesa, mas que Swann, com a sua obstinação, com aquele jeito de proclamar aos quatro ventos as mínimas relações, não passava de um vulgar parlapatão que o marquês de Norpois sem dúvida acharia, segundo a sua expressão, "nauseabundo".
  • “Mas o Sr. Norpois mudara as intenções do meu pai num ponto muito mais importante para mim. Este sempre desejara que eu fosse diplomata, e eu não podia suportar a idéia de arriscar-me, mesmo que devesse ficar por algum tempo adido ao Ministério, a ser enviado como embaixador a capitais como Gilberte não habitaria. Preferiria voltar aos projetos literários que outrora formulara e abandonara no curso de meus passeios para o lado de Guermantes. Mas meu pai fizera constante oposição a que eu me destinasse à carreira de letras, que julgava muito inferior à diplomacia, chegando a recursar-lhe o nome de carreira, até o dia em que sr. de Norpois, que não estimava muito os agentes diplomáticos das novas fornadas, lhe assegurara que se podia, como escritor, atrair a mesma consideração, exercer a mesma influência e conservar mais autonomia que nas embaixadas.”
  • “Foi num desses dias que lhe aconteceu tocar-me a parte da Sonata de Vinteuil onde se encontra a pequena frase que Swann tanto havia amado. Mas muitas vezes não se entende nada, quando é uma música um pouco complicada que ouvimos pela primeira vez. E no entanto, quando mais tarde me tocaram duas ou três vezes aquela mesma Sonata, aconteceu-me conhecê-la perfeitamente.”
  • “E esse tempo de que necessita um indivíduo – como me aconteceu a mim com essa Sonata – para penetrar uma obra um tanto profunda é como um resumo e símbolo dos anos e às vezes dos séculos que têm de transcorrer até que o público possa amar uma obra-prima verdadeiramente nova. Talvez por isso considere o homem de gênio, para se poupar às incompreensões da multidão, que, visto faltar aos contemporâneos a necessária distância, as obras escritas para a posteridade só a posteridade as deveria ler, tal como sucede com certas pinturas, mal apreciadas quando vistas de muito perto.”

O Caminho de Guermantes

[editar]
  • "O cortejo matinal dos pássaros parecia insípido a Françoise."
  • “Que tola!”, pensei, irritado com a acolhida glacial que ela me fizera. Achava uma espécie de áspera satisfação em comprovar sua completa incompreensão de Maeterlinck. “E é por uma mulher dessas que todas as manhãs faço tantos quilômetros! Sou até bom demais! Agora sou eu que não quero saber dela.” Tais as palavras que eu dizia; eram o contrário do meu pensamento; eram puras palavras de conversação, como as dizemos nesses momentos em que, muito agitados para ficar a sós conosco mesmos, sentimos necessidade, na falta de outro interlocutor, de conversar conosco, sem sinceridade, como um estranho.
  • “Ser grande dama é representar de grande dama, o que quer dizer, representar simplicidade. É um papel que sai extremamente caro, tanto mais, que a simplicidade só encanta sob a condição de que os outros saiba que poderíamos não ser simples, isto é, que somos riquíssimos.”
  • “Doente? Não é ao menos uma doença diplomática?”, Cottard tentou, para acalmar a agitação da sua cliente, o regime lácteo. Mas as perpétuas sopas de liete não causaram efeito porque minha avó lhes punha muito sal (Widal ainda não fizera as suas descobertas) cujos inconvenientes se ignoravam na época. Pois como a medicina é um compêndio de erros sucessivos e contraditórios dos médicos, recorrendo aos melhores destes, corre-se o risco de solicitar uma verdade que será reconhecida como falsa alguns anos mais tarde. De modo que acreditar na medicina seria a suprema loucura se não acreditar nela não fosse loucura maior, pois desse amontoado de erros se desvencilharam com o tempo algumas verdades.”
  • “Dizem-se hoje as pessoas de bom gosto que Renoir é um grande pintor do século XIX. Mas ao dizer isso esquecem o Tempo e que foi preciso muito, mesmo em pleno século XIX, para que Renoir fosse considerado grande artista.”

A Prisioneira

[editar]
  • "A única viagem verdadeira, o único banho de Juventa seria não partir em demanda de novas paisagens, mas ter outros olhos, ver o universo com olhos de outra pessoa, de cem pessoas, ver os cem universos que cada uma delas vê, que cada uma delas é..."
  • “Logo de manhã, com a cabeça ainda voltada para a parede, e antes de ver, acima das grandes cortinas da janela, que matiz tinha a raia de luz, já eu sabia como estava o tempo.”
  • “Enganou-se. Era aliás perfeitamente desculpável, pois a própria realidade, não obstante necessária, não é completamente previsível. Os que vêm a conhecer algum detalhe exato da vida alheia tiram logo conseqüências que não o são, e vêem no fato recém-descoberto a explicação de coisas que precisamente não têm nenhuma relação com ele.”
  • “Sei dos ciumentos que só o são das mulheres com quem a amante tem relações longe deles, mas permitem que elas se entreguem a outro homem que não eles, se for com autorização deles, junto deles e, senão à vista, pelo menos sob o mesmo teto. Este caso é freqüente nos homens idosos apaixonados por mulher moça. Sentem a dificuldade de4 lhe agradar, às vezes a impotência de contentá-la e, para não serem enganados, preferem admitir em casa, num quarto vizinho, alguém que julgam incapaze de dar a ela maus conselhos, mas não o prazer.”
  • “Dessa evidência aos olhos dos outros e aos seus próprios se sentia o sr. de Charlus mais feliz que de tudo o mais. Pois a posse do que se ama é uma alegria ainda maior do que o amor. Muitas vezes os que escondem de todos essa posse, só o fazem pelo medo de que o objeto amado lhes seja roubado. E a felicidade deles fica diminuída por aquela prudência de calar.”

A Fugitiva

[editar]
  • “A srta. Albertine foi-se embora! Como, em psicologia, o sofrimento vai mais longe do que a psicologia! Ainda há pouco, ao analisar-me, julgara que essa separação sem no termos visto outra vez era justamente o que eu desejava, e, comparando a mediocridade dos prazeres que Albertine me proporcionara com a riqueza dos desejos que me impedia de realizar, eu me achara sutil, e concluíra que não queria tornar a vê-la, que já não a amava.”
  • “Muitas vezes não prestamos bastante atenção, no momento, em coisas que já então podiam parecer-nos importantes; não ouvimos bem uma frase, não notamos um gesto, ou senão os esquecemos. E quando, mais tarde, ávidos por descobrir a verdade, remontamos em dedução, folheando nossa memória como uma coleção de testemunhos, chegamos a essa frase, a esse gesto, é impossível nos lembrarmos; recomeçamos vinte vezes o mesmo trajeto, mas inutilmente: o caminho não vai mais adiante.”
  • “Os homossexuais seriam os melhores maridos do mundo, se não representassem a comédia de amar as mulheres.”