Como Morrem os Pobres e Outros Ensaios
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Como Morrem os Pobres e Outros Ensaios, ISBN 9788535918632 é uma obra crítica e biográfica do escritor inglês George Orwell, pseudônimo de Eric Arthur Blair, obra que reúne relatos e reflexões acerca de suas vivências. Edição de Companhia das Letras em 2011.Tradução: Pedro Maia Soares; Seleção de Textos: João Moreira Salles e Matinas Suzuki Jr; Organização: Matinas Suzuki Jr
Prefácio
[editar]- "...se perguntarmos o que ele representa, do que ele é símbolo, a resposta é: da virtude de não ser um gênio, de enfrentar o mundo com nada mais que sua inteligência simples, direta, franca, e um respeito pelos poderes que se tem e pelo trabalho que se empreende."
- - Lionel Triling, prefaciador de Homage to Catalonia, edição estadunidense de 1952 e inserto nesta edição.
- "Admiramos gênios, os amamos, mas eles nos desestimulam. São grandes concentrações de intelecto e emoção, sentimos que eles absorveram todo o poder disponível, monopolizam-no e não deixaram nada para nós. Sentimos que, se não pudermos ser como eles, não seremos nada. Ao lado deles, somos demasiado banais, irremediavelmente triviais."
- - Lionel Triling, prefaciador de Homage to Catalonia, edição estadunidense de 1952 e inserto nesta edição.
- "É isso que a democracia fez conosco, infelizmente: disse-nos que o gênio está disponível para qualquer um, que a graça do prestígio máximo pode ser de qualquer um, que podemos todos ser príncipes e potentados, ou santos, visionários e mártires sagrados, do coração e da mente. E depois, quando descobrimos que não somos nada disso, ela nos permite pensar que não somos nada"
- - Lionel Triling, prefaciador de Homage to Catalonia, edição estadunidense de 1952 e inserto nesta edição.
- "Ele não é um gênio - que alívio! Que estímulo! Pois ele nos comunica o sentimento de que qualquer um de nós poderia ter feito o que ele fez."
- - Lionel Triling, prefaciador de Homage to Catalonia, edição estadunidense de 1952 e inserto nesta edição.
- "Envolvidos como estamos tantos de nós, ao menos em nossas vidas literárias, numa metafísica amarga da natureza humana, ficamos chocados e consternados quando Orwell fala em louvor de coisas como responsabilidade, ordenamento na vida pessoal, jogo limpo, coragem pessoal - até de esnobismo e hipocrisia, porque de algum modo ajudam a escorar os murs em desintegração da vida moral."
- - Lionel Triling, prefaciador de Homage to Catalonia, edição estadunidense de 1952 e inserto nesta edição.
Os dias são sempre iguais
[editar]Narrativas testemunhais da primeira fase da carreira do escritor, quase todas ainda assinadas como Eric Blair, frutos da convivência com mendigos e de experiências em um albergue, em um hospital para indigentes, em um prisão e no trabalho como colhedor de lúpulo. São complementares aos livros Na pior em Paris e O caminho para Wigan Pier.
Um dia na vida de um vagabundo
[editar]- "...o vagabundo que não cometeu nenhum crime e que, no fim das contas, não passa de uma vítima do desemprego, está condenado a levar uma vida mais miserável que a do pior criminoso. Ele é um escravo com uma aparência de liberdade que é pior do que a mais cruel escravidão. (...) a conclusão óbvia é que a sociedade o trataria melhor se o trancasse pelo resto de seus dias na prisão, onde ao menos ele desfrutaria de um relativo conforto."
O albergue
[editar]- "Exaustos, nos limitávamos a ficar ali escarrapachados, com cigarros caseiros que se projetavam de nossos rostos raquíticos. (...) Sujávamos o cenário, como latas de sardinha e sacos de papel na praia."
- "Não têm nada que valha a pena chamar de conversa, porque o vazio das barrigas não deixa especulação em suas almas."
- "...o tédio é o pior de todos os males de um vagabundo. (...) É uma crueldade estúpida confinar um homem ignorante o dia inteiro sem nada para fazer; (...) Só um homem instruído, que encontra consolo dentro de si mesmo, pode suportar o confinamento. (...) Não têm dentro deles recursos para suportar os horrores do ócio."
Diário da colheita de lúpulo
[editar]- "...uma mulher velha e muito feia, esposa de um carregador, lançava violentos insultos a duas prostitutas porque elas podiam pagar por um desjejum melhor que o dela."
- "Com exceção do período na prisão, ele provavelmente violou a lei todos os dias nos últimos cinco anos".
- - Sobre Ginger, vagabundo companheiro do personagem principal, descrito como jovem de vinte e seis anos e atlético, além de "bastante desmiolado."
- "As leis sobre o trabalho infantil são totalmente desobedecidas (nos campos de lúpulo) (...) Mas elas (as crianças) gostavam de trabalhar e suponho que isso não lhes causava mais dano do que a escola."
- "...é um fato curioso que pouquíssimos colhedores soubessem como ganhavam tão pouco, porque o sistema de trabalho por tarefa disfarça a baixa taxa de remuneração."
Em cana
[editar]- "Uma observação feita por aqueles homens me espantou - eu a ouvi de quase todos os prisioneiros que seriam julgados por um delito grave. Era: 'Não é a prisão que me preocupa, é perder meu emprego'. Creio que isso é sintomático do poder decrescente da lei em comparação com o do capitalista."
- "Ela se casou com um maníaco religioso, e ele é um religioso tão filho da mãe que ela tem quinze filhos."
Como morrem os pobres
[editar]- "Eu estava muito impressionado com a maneira impessoal como os dois homens me trataram. Eu nunca estivera numa enfermaria pública de um hospital e era minha primeira experiência com médicos que lidavam com a gente sem falar com a gente, ou, num sentido humano, sem reparar na gente."
- "De minha parte, eu que estava com um excepcionalmente belo espécime de chocalho bronquial, tinha às vezes até uma dúzia de estudantes fazendo fila para escutar meu peito. Era uma sensação muito esquisita - esquisita porque ao lado do interesse deles em aprender a profissão havia uma aparente falta de qualquer percepção de que os pacientes eram seres humanos. É estranho contar isso, mas às vezes, quando dava um passo à frente para assumir sua vez de manipulá-lo, o estudante estava trêmulo de excitação, como um menino que consegue pôr as mãos em alguma máquina cara. E então, ouvido após ouvido - orelhas de rapazes, de moças, de negros - pressionado contra suas costas, revezamentos de dedos batendo solenes, mas desajeitadamente, e de nenhum deles a gente obtinha uma palavra de conversa ou um olhar direto no rosto. Na qualidade de paciente não pagante, no uniforme de camisão, a gente era sobretudo um espécime, uma coisa da qual não me ressentia, mas com a qual nunca me acostumei muito bem."
- "Como de costume, não falava com o paciente, nem lhe dava um sorriso, um aceno de cabeça ou qualquer sinal de reconhecimento. Enquanto falava, muito sério e empertigado, segurava o corpo devastado sob suas mãos, girando-o às vezes para lá e para cá, na mesma atitude de uma mulher que segura um rolo de macarrão."
- "Quando as enfermeiras vieram, receberam a notícia de sua morte com indiferença e foram cuidar de suas tarefas."
- "A gente quer viver, é claro; na realidade, só ficamos vivos em virtude do medo da morte, mas penso agora, como pensava então, que é melhor morrer violentamente e não velho demais. As pessoas falam dos horrores da guerra, mas que arma o homem inventou que se aproxime em crueldade de algumas das doenças mais comuns? A morte 'natural', quase por definição, significa alguma coisa lenta, fedorenta e dolorosa."
- "Nos últimos cinquenta anos, mais ou menos, houve uma grande mudança na relação entre médico e paciente. Se olharmos para quase toda a literatura anterior à segunda metade do século XIX, veremos que o hospital é popularmente considerado parecido com uma prisão, e uma prisão antiquada, do tipo masmorra. O hospital é um lugar de imundície, tortura e morte, uma espécie de antecâmara do túmulo. Ninguém que não fosse mais ou menos miserável pensaria em entrar num lugar desses para tratamento. E especialmente na primeira metade do século passado (século XIX), quando a ciência médica se tornou mais ousada que antes, sem ser mais bem-sucedida, todo o negócio da medicina era visto com horror e temido pelas pessoas comuns. Acreditava-se que a cirurgia, em particular, não passava de uma forma peculiarmente medonha de sadismo, e a dissecação, possível somente com a ajuda de ladrões de cadáveres, era até confundida com a necromancia."
- "Por maior que seja a gentileza e a eficiência, em toda morte no hospital haverá algum detalhe cruel, sórdido, alguma coisa que talvez seja pequena demais para ser contada, mas que deixa terríveis lembranças dolorosas, causadas pela pressa,a lotação, a impessoalidade de um lugar onde todos os dias morrem pessoas entre estranhos."
A insinceridade é inimiga da linguagem clara
[editar]Ensaios de George Orwell que mostram sua preocupação com o uso das palavras no romance, na poesia, no discurso e na propaganda política, nas resenhas literárias. "A política e a língua inglesa" é um de seus ensaios mais importantes,e foi usado como inspiração para o manual de estilo de várias publicações jornalísticas.
Em defesa do romance
[editar]- "Quando todos os romances são despejados sobre nós como obras de gênio, é natural supor que todos são um lixo."
- "...alguns elogios por todo o seu excesso de insinceridade são tão valiosos quanto o sorriso de uma prostituta."
- "Uma vez que X é capaz de segurar uma caneta, ele provavelmente não é um idiota."
- "...aplicar um padrão decente à produção habitual de romances é como pesar uma pulga numa balança destinada a elefantes."
- "Não há como escapar disso depois que se cometeu o pecado inicial de fingir que um livro ruim é bom. Mas não se pode resenhar romances para ganhar a vida sem cometer esse pecado. E, enquanto isso, os leitores inteligentes dão as costas, enfastiados, e desprezar romances se torna uma espécie de dever esnobe. Daí o fato esquisito de ser possível que um romance de verdadeiro valor passe despercebido, simplesmente porque foi elogiado nos mesmos termos que uma besteira.
- "Várias pessoas sugeriram que seria bom se nenhum romance fosse resenhado. De fato seria, mas a sugestão é inútil, porque nada desse tipo vai acontecer. Nenhuma publicação que dependa de anúncios de editores pode se dar ao luxo de jogá-los fora, e embora os editores mais inteligentes percebam que não ficariam em situação pior se a resenha-sobrecapa fosse abolida, eles não podem acabar com isso pela mesma razão por que as nações não podem se desarmar - porque ninguém quer ser o primeiro a começar."
A poesia e o microfone
[editar]- "No rádio sua audiência é conjectural, mas é um audiência de um. Milhões podem estar escutando, mas cada um está ouvindo sozinho, ou como membro de um grupo pequeno, e cada um tem (ou deveria ter) a sensação de que você está falando para ele individualmente."
- "Devemos concluir que, embora hostil à poesia, o grande público não hostil ao verso. Afinal, se ele não gostasse de rima e metro, nem canções nem limericks obscenos poderiam ser populares. A poesia não é vista com bons olhos porque é associada à ininteligibilidade, à arrogância intelectual e a um sentimento geral de domingo em dia de semana. Seu nome cria de antemão o mesmo tipo de má impressão que a palavra 'Deus' ou um colarinho de pároco."
- - limericks: forma fixa de poemas humorísticos em cinco versos.
- "...não devemos confundir a capacidade de um instrumento com seu uso efetivo. O rádio é o que é não porque exista algo inerentemente vulgar, imbecil ou desonesto em todo o aparato de microfones e transmissores, mas porque todas as transmissões de rádio atuais em todo o mundo estão sob o controle dos governos ou de grandes companhias monopolistas que têm interesse ativo em manter a condição reinante e, portanto, em impedir que o homem comum fique muito inteligente."
Propaganda e discurso popular
[editar]- "...a maioria das pessoas não sabia que 'imoralidade' significa algo mais que imoralidade sexual."
- "Discursos, programas de rádio, palestras e até sermões são normalmente escritos com antecedência. Os oradores mais eficazes, como Hitler e Lloyd George, costumavam falar de improviso, mas são raridades. (...) Só alguns oradores excepcionalmente dotados podem alcançar a simplicidade e a inteligibilidade que até a pessoa de língua mais presa consegue na conversa comum."
- "...quando há uma dúvida sobra a pronúncia de um nome, os oradores bem-sucedidos ficam com a pronúncia da classe trabalhadora, mesmo quando sabem que está errada. Churchill, por exemplo, pronunciava mal 'nazi' e 'Gestapo', já a gente comum continuava a fazê-lo. Na última guerra, Lloyd George, em vez de dizer 'Kaiser' dizia 'Kêiser', que era a versão popular da palavra."
A política e a língua inglesa
[editar]- "A não ser pelas abreviações úteis 'i.e.', 'e.g.' e 'etc.', não há necessidade de nenhuma das centenas de expressões estrangeiras usadas atualmente em inglês. Os maus escritores e, em especial, os que escrevem sobre temas científicos, políticos e sociológicos são quase sempre perseguidos pela ideia de que as palavras gregas ou latinas são mais ilustres do que as saxônicas.."
- "Palavras sem sentido. Em certos tipos de texto, em particular na crítica literária e de arte, é normal encontrar longos trechos que carecem quase completamente de sentido. Palavras como romântico, plástico, valores, humano, morto, sentimental, natural, vitalidade, tal como usadas na crítica da arte, não dizem rigorosamente nada, no sentido de que não apenas não apontam para nenhum objeto determinável, como dificilmente o leitor espera isso delas."
- "No caso de uma palavra como democracia, além de não existir uma definição com que todos concordem, a tentativa de criá-la sofre resistência de todos os lados. É um sentimento quase universal: quando dizemos que um país é democrático, nós o estamos elogiando; em consequência, os defensores de todo tipo de regime alegam que ele é democrático e temem que tenham de deixar de usar a palavra se esta for atrelada a algum significado. As palavras desse tipo são muitas vezes usadas de maneira conscientemente desonesta. Ou sejam a pessoa que as utiliza tem sua própria definição particular, mas permite que o ouvinte pense que ela quer dizer algo bem distinto."