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Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres

Origem: Wikiquote, a coletânea de citações livre.

Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres (1969) é um livro de Clarice Lispector que narra o relacionamento de Lóri e Ulisses.


  • "Mais uma vez, nas suas hesitações confusas, o que a tranqüilizou foi o que tantas vezes lhe servia de sereno apoio: é que tudo o que existia, existia com uma precisão absoluta e no fundo o que ela terminasse por fazer ou não fazer não escaparia dessa precisão; aquilo que fosse do tamanho da cabeça de um alfinete, não transbordava nenhuma fração de milímetro além do tamanho de uam cabeça de alfinete: tudo o que existia era de uma grande perfeição. Só que a maioria do que existia com tal perfeição era, tecnicamente, invisível: a verdade, clara e exata em si própria, já vinha vaga e quase insensível à mulher.
    Bem, suspirou ela, se não vinha clara, pelo menos sabia que havia um sentido secreto nas coisas da vida."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 18
  • "Se fosse protegida por Ulisses ainda mais do que era, ambicionaria logo o máximo: ser tão protegida a ponto de não recear ser livre: pois de suas fugida de liberdade teria semrpe para onde voltar."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 19
  • "E "eu te amo" era uma farpa que não se podia tirar com uma pinça."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 23
  • "Quero que isto que é intolerável continue porque quero a eternidade."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 24
  • "É nessa hora que o bem e o mal não existem. É o perdão súbito, nós que nos alimentávamos com gosto secreto da punição. Agora é a indiferença de um perdão. Pois não há mais julgamento. Não é um perdão que tenha vindo depois de um julgamento. É a ausência de juiz e de condenado."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 24
  • "Uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora de minha própria vida. Foi apesar de que parei na rua e fiquei olhando para você enquanto você esperava um táxi. E desde logo desejando você, esse teu corpo que nem sequer é bonito, mas é o corpo que eu quero. Mas quero inteira, com a alma também. Por isso, não faz mal que você não venha, esperarei quanto tempo for preciso."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 26
  • "Ah!, gritou-se muda de repente, que o Deus me ajude a conseguir o impossível, só o impossível me importa!"
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 27
  • "De Ulisses ela aprendera a ter coragem de ter fé - muita coragem, fé em quê? Na própria fé, que a fé pode ser um grande susto, pode significar cair no abismo, Lóri tinha medo de cair no abismo e segurava-se numa das mãos de Ulisses enquanto a outra mão de Ulisses empurrava-a para o abismo - em breve ela teria que soltar a mão menos forte do que a que a empurrava, e cair, a vida não é de se brincar porque em pleno dia se morre.
    A mais premente necessidade de um ser humano era tornar-se um ser humano."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 32
  • "Então o que chamava de morte a atraía tanto que só poderia chamar de valoroso o modo como, por solidariedade e pena dos outros, ainda estava presa ao que chamava de vida. Seria profundamente amoral não esperar pela morte como os outros todos esperam por esta hora final. Teria sido esperteza dela avançar no tempo, e imperdoável ser mais sabida que os outros. Por isso, apesar da curiosidade intensa que tinha pela morte, Lóri esperava."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 35
  • "Mas há um momento em que do corpo descansado se ergue o espírito atento, e da Terra e da Lua. Então ele, o silêncio, aparece. E o coração bate ao reconhecê-lo: pois ele é o de dentro da gente.
    Pode-se depressa pensar no dia que passou. Ou nos amigos que passaram e para sempre se perderam. Mas é inútil esquivar-se: há o silêncio. Mesmo o sofrimento pior, o da amizade perdida, é apenas fuga. Pois se no começo o silêncio parece aguardar uma resposta — como arde, Ulisses, por ser chamada e responder; — cedo se descobre que de ti ele nada exige, talvez apenas o teu silêncio."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 37
  • "Tão suave é para o ser humano enfim mostrar sua indignidade e ser perdoado com a justificativa de que se é um ser humano humilhado de nascença."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 37
  • "O que acontecia na verdade com Lóri é que, por alguma decisão tão profunda que os motivos lhe escapavam — ela havia por medo cortado a dor. Só com Ulisses viera aprender que não se podia cortar a dor — senão se sofreria o tempo todo."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 40
  • "A própria Lóri tinha uma espécie de receio de ir, como se pudesse ir longe demais — em que direção? O que dificultava a ida. Sempre se retinha um pouco como se retivesse as rédeas de um cavalo que poderia galopar e levá-la Deus sabe onde. Ela se guardava. Por que e para quê? Para o que estava ela se poupando? Era um certo medo da própria capacidade, pequena ou grande, talvez por não conhecer os próprios limites."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 41
  • "O que ela era, era apenas uma pequena parte de si mesma. Sua alma incomensurável. Pois ela era o Mundo. E no entanto vivia o pouco. Isso constituía uma de suas fontes de humildade e forçada aceitação, e também a enfraquecia diante de qualquer possibilidade de agir."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 43
  • ""Não entender" era tão vasto que ultrapassava qualquer entender — entender era sempre limitado. Mas não-entender não tinha fronteiras e levava ao infinito, ao Deus. Não era um não-entender como um simpies de espírito. O bom era ter uma inteligência e não entender. Era uma bênção estranha como a de ter loucura sem ser doida. (...) Mas de vez em quando vinha a inquietação insuportável: queria entender o bastante para pelo menos ter mais consciência daquilo que ela não entendia. Embora no fundo não quisesse compreender. Sabia que aquilo era impossível e todas as vezes que pensara que se compreendera era por ter compreendido errado. Compreender era sempre um erro — preferia a largueza tão ampla e livre e sem erros que era não-entender."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 44
  • "E eu não choro, se for preciso um dia eu grito."
- Ulisses
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 47
  • "Nós ainda somos moços, podemos perder algum tempo sem perder a vida inteira. Mas olhe para todos ao seu redor e veja o que temos feito de nós e a isso considerado vitória nossa de cada dia. Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceito o que não se entende porque não queremos passar por tolos. Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que já não tenha sido catalogada. Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora pois as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas. Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos. Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo. Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda. Temos procurado nos salvar mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de ódio, de amor, de ciúme e de tantos outros contraditórios. Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar nossa vida possível. Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa. Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa. Falar no que realmente importa é considerado uma gafe. Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer "pelo menos não fui tolo" e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 47
  • "Parece tão fácil à primeira vista seguir conselhos de alguém. Seus conselhos, por exemplo. Mas existe um grande, o maior obstáculo para eu ir adiante: eu mesma. Tenho sido a maior dificuldade no meu caminho. E com enorme esforço que consigo me sobrepor a mim mesma. Sou um monte intransponível no meu próprio caminho. Mas às vezes por uma palavra tua ou por uma palavra lida, de repente tudo se esclarece."
- Lóri
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 53
  • "Às vezes me parece que estou perdendo tempo, às vezes me parece que pelo contrário, não há modo mais perfeito, embora inquieto, de usar o tempo: o de te esperar."
- Ulisses
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 53
  • "Como se o que fosse pedir a si mesma e ao Deus precisasse de muito cuidado: porque o que pedisse, nisso seria atendida."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 55
  • "Ela sabia que não devia pedir o impossível: a resposta não se pede."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 55
  • "Para aprender a alegria você precisa de todas as garantias?"
- Ulisses
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 59
  • "Tenho uma alma muito prolixa e uso poucas palavras. Sou irritável e firo facilmente. Também sou muito calmo e perdôo logo. Não esqueço nunca. Mas há poucas coisas de que eu me lembre. Sou paciente mas profundamente colérico, como a maioria dos pacientes. As pessoas nunca me irritam mesmo, certamente porque eu as perdôo de antemão. Gosto muito das pessoas por egoísmo: é que elas se parecem no fundo comigo. Nunca esqueço uma ofensa, o que é uma verdade, mas como pode ser verdade, se as ofensas saem de minha cabeça como se nunca nela tivessem entrado? Tenho uma paz profunda, continuou ele, somente porque ela é profunda e não pode ser sequer atingida por mim mesmo. Se fosse alcançável por mim, eu não teria um minuto de paz."
- Ulisses, sobre si mesmo
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 59
  • "Meu amor pelo mundo é assim: eu perdôo as pessoas terem um nariz mal feito ou terem lábios finos demais e serem feias — todo erro dos outros e nos outros é uma oportunidade para mim de amar."
- Ulisses
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 60
  • "O melhor modo de despistar é dizer a verdade."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 61
  • "Depois de morrer não se vai ao paraíso, morrer é que é o paraíso."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 61
  • "Ela agora estava só para a dor que tivesse que vir. (...) Mas como um desafio ao Deus com que agora, por desilusão e solidão, ela parecia querer medir forças. Tu me criaste através de um pai e de uma mãe e depois me largaste no deserto. Em vingança estranha, pois era contra si mesma, contra uma criança do Deus, era no deserto então que ela ficaria, e sem pedir água para beber. Quem sofreria mais com isso era ela mesma, mas o principal é que com o seu sofrimento voluntário ofendia o Deus e então pouco lhe importava a dor."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 65
  • "A angústia era a incapacidade de enfim sentir a dor. (...) Angústia também era o medo de sentir enfim a dor."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 66
  • "Tudo aquilo era absolutamente impossível, por isso é que Lóri sabia que via. Se fosse o razoável, ela de nada saberia."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 72
  • "A quem dou minha felicidade, que já está começando a me rasgar um pouco e me assusta. Não, não quero ser feliz. Prefiro a mediocridade. Ah, milhares de pessoas não têm coragem de pelo menos prolongar-se um pouco mais nessa coisa desconhecida que é sentir-se feliz e preferem a mediocridade."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 73
  • "Ela estava só. Com a eternidade à sua frente e atrás dela. O humano é só."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 74
  • "E o que o ser humano mais aspira é tornar-se um ser humano."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 74
  • "Tinha era que ter tudo o que o mais humano dos humanos tinha. Mesmo que fosse a dor, ela a suportaria, sem medo novamente de querer morrer. Suportaria tudo. Contanto que lhe dessem tudo."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 75
  • "E tinha agora a responsabilidade de ser ela mesma. Nesse mundo de escolhas, ela parecia ter escolhido."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 75
  • "A coragem de Lóri é a de, não se conhecendo, no entanto prosseguir, e agir sem se conhecer exige coragem."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 79
  • "A alegria é uma fatalidade."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 79
  • "Por causa da vastidão impessoal era um Deus para o qual não se podia implorar: podia-se era agregar-se a ele e ser grande também. Em compensação, já que não podia na dor deixar de implorar, aprendera de um dia para outro a implorar misericórdia e força a si mesma, pois ela não era tão vasta nem impessoal nem inalcançável. E obtinha a misericórdia o bastante pelo menos para retomar o fôlego."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 81
  • "Você precisa andar de cabeça levantada, você tem que sofrer porque você é diferente dos outros. (...) Você não precisa de companhia para ir, você mesma é bastante."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 82
  • "Então, sem entender o que fazia — só o entendeu depois — pintou demais os olhos e demais a boca até que seu rosto branco de pó parecia uma máscara: ela estava pondo sobre si mesma alguém outro: esse alguém era fantasticamente desinibido, era vaidoso, tinha orgulho de si mesmo. Esse alguém era exatamente o que ela não era. (...) A máscara a incomodava, ela sabia ainda por cima que era mais bonita sem pintura. Mas sem pintura seria a nudez da alma. E ela ainda não podia se arriscar nem se dar a esse luxo."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 83
  • "Também Lóri usava a máscara de palhaço da pintura excessiva. Aquela mesma que nos partos da adolescência se escolhia para não se ficar desnudo para o resto da luta. Não, não é que se fizesse mal em deixar o próprio rosto exposto à sensibilidade. Mas é que esse rosto que estivesse nu poderia, ao ferir-se, fechar-se sozinho em súbita máscara involuntária e terrível: era pois menos perigoso escolher, antes que isso fatalmente acontecesse, escolher sozinha ser uma "persona". Escolher a própria máscara era o primeiro gesto voluntário humano. E solitário. Mas quando enfim se afivelava a máscara daquilo que se escolhera para representar-se e representar o mundo, o corpo ganhava uma nova firmeza, a cabeça podia às vezes se manter altiva como a de quem superou um obstáculo: a pessoa era."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 85
  • "Temia que, se ela conseguisse avançar a ponto de ficar mais pronta e viesse a aceitar aproximar-se dele, ele com franqueza pudesse simplesmente dizer-lhe que já era tarde. Porque até as frutas têm estação."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 88
  • "Teus olhos são confusos mas tua boca tem a paixão que existe em você e de que você tem medo. Teu rosto, Lóri, tem um mistério de esfinge: decifra-me ou te devoro."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 89
  • "Viver é tão fora do comum que eu só vivo porque nasci. Eu sei que qualquer pessoa diria o mesmo, mas o fato é que sou eu quem está dizendo."
- Lóri
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 90
  • "Porque na minha aprendizagem falta alguém que me diga o óbvio com um ar tão extraordinário. O óbvio, Lóri, é a verdade mais difícil de se enxergar."
- Ulisses
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 90
  • "Nós, os que escrevemos, temos na palavra humana, escrita ou falada, grande mistério que não quero desvendar com o meu raciocínio que é frio. Tenho que não indagar do mistério para não trair o milagre. Quem escreve ou pinta ou ensina ou dança ou faz cálculos em termos de matemática, faz milagre todos os dias."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 92
  • "O que não se pode é deixar de amar a si próprio com algum despudor."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 93
  • "Quando você aprender vai ver o tempo que perdeu. A tragédia de viver existe sim e nós a sentimos. Mas isso não impede que tenhamos uma profunda aproximação da alegria com essa mesma vida."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 94
  • "Nos piores momentos, lembre-se: quem é capaz de sofrer intensamente, também pode ser capaz de intensa alegria."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 96
  • "É preciso não esquecer e respeitar a violência que temos. As pequenas violência nos salvam das grandes. Quem sabe, se não comêssemos os bichos, comeríamos gente com o seu sangue. Nossa vida é truculenta, Loreley: nasce-se com sangue e com sangue corta-se para sempre a possibilidade de união perfeita: o cordão umbilical. E muitos são os que morrem com sangue derramado por dentro ou por fora. É preciso acreditar no sangue como parte importante da vida. A truculência é amor também."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 98
  • "Só outra pessoa que tivesse experimentado, saberia o que ela sentia, pois de quase tudo o que importa não se sabe falar."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 99
  • "Quando ela pensou que, além do frio, chovia como que no mundo inteiro, não pôde acreditar que tanto de bom lhe fosse dado. Era o acordo da Terra com aquilo que ela nunca soubera que precisava com tanta fome de alma."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 103
  • "Queria que as coisas "acontecessem" e não que ela as provocasse. Ela conhecia o mundo dos que estão tão sofridamente à cata de prazeres e que não sabiam esperar que eles viessem sozinhos. E era tão trágico: bastava olhar numa boate, à meia-luz, os outros: era a busca do prazer que não vinha sozinho e de si mesmo."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 104
  • "Antes o sofrimento legítimo que o prazer forçado."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 104
  • "Porque no Impossível é que está a realidade."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 106
  • "Lóri suportava a luta porque Ulisses, na luta com ela, não era seu adversário: lutava por ela."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 106
  • "Lembrava-se de que a última palavra dele fora "adeus". Mas ele sempre se despedia assim. Como se cortasse de uma vez para outra o vínculo? E ambos ficassem em liberdade, um do outro? Lóri sabia que ela própria é quem cortara vínculos a vida inteira, e talvez alguma coisa nela sugerisse aos outros a palavra "adeus"."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 107
  • "Sou dos que crêem no que é inacreditável. Aprendi a viver com o que não se entende."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 109
  • "Milagres, não. Mas as coincidências. Vivia de coincidências, vivia de linhas que incidiam e se cruzavam e, no cruzamento, formavam um leve e instantâneo ponto, tão leve e instantâneo que era mais feito de segredo. Mal falasse das coincidências, e já estaria falando em nada."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 110
  • "A força de destruição ainda se continha e ela não entendia por que vibrava de alegria de ser capaz de tal ira. E que estava vivendo. E não havia perigo de realmente destruir ninguém ou nada porque a piedade era nela tão forte quanto a ira: então ela queria destruir a si mesma que era a fonte daquela paixão."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 112
  • "Alivia minha alma, faze com que eu sinta que Tua mão está dada à minha, faze com que eu sinta que a morte não existe porque na verdade já estamos na eternidade, faze com que eu sinta que amar é não morrer, que a entrega de si mesmo não significa a morte e sim a vida, faze com que eu sinta uma alegria modesta e diária, faze com que eu não Te indague demais, porque a resposta seria tão misteriosa quanto a pergunta, faze com que eu receba o mundo sem medo, pois para esse mundo incompreensível nós fomos criados e nós mesmos também incompreensíveis, então é que há uma conexão entre esse mistério do mundo e o nosso, mas essa conexão não é clara para nós enquanto quisermos entendê-la, abençoa-me para que eu viva com alegria o pão que como, o sono que durmo, faze com que eu tenha caridade e paciência comigo mesma, amém."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 112
  • "Então com ternura aceitou estar no mistério de ser viva."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 113
  • "Impossível que esse ar não traga o amor do mundo! Repete o coração que parte sua secura crestada num sorriso. E nem sequer reconhece que já o trouxe, que aquilo é um amor. Esse primeiro calor ainda fresco trazia: tudo. Apenas isso, e indiviso: tudo.
    E tudo era muito para um coração de repente enfraquecido que só suportava o menos, só podia querer o pouco aos poucos."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 114
  • "Ah como a dor era mais suportável e compreensível que aquela promessa de frígida e líquida alegria da primavera."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 115
  • "E que ela não se esquecesse, naquela sua fina luta travada, que o mais difícil de se entender era a alegria.
    Que ela não se esquecesse que a subida mais escarpada, e mais à mercê dos ventos, era sorrir de alegria."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 115
  • "Ah como se inquietava de não conseguir viver o melhor, e assim poder um dia enfim morrer o melhor. Como se inquietava que alguém pudesse não compreender que morreria numa ida para uma tonta felicidade de primavera. Mas não apressaria de um instante a vinda dessa felicidade — pois esperá-la vivendo era a sua vigília de castidade."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 116
  • "De algum modo já aprendera que cada dia nunca era comum, era sempre extraordinário. E que a ela cabia sofrer o dia ou ter prazer nele. Ela queria o prazer do extraordinário que era tão simples de encontrar nas coisas comuns: não era necessário que a coisa fosse extraordinária para que nela se sentisse o extraordinário."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 119
  • "Mas o prazer nascendo doía tanto no peito que às vezes, Lóri preferia sentir a habituada dor ao insólito prazer. A alegria verdadeira não tinha explicação possível, não tinha sequer a possibilidade de ser compreendida — e se parecia com o início de uma perdição irrecuperável."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 119
  • "Não posso ter uma vida mesquinha porque ela não combinaria com o absoluto da morte."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 120
  • "Ser-se o que se é, era grande demais e incontrolável."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 126
  • "Seu desespero vinha de que não sabia sequer por onde e pelo que começar. Só sabia que já começara uma coisa nova e nunca mais poderia voltar à sua dimensão antiga. E sabia também que devia começar modestamente, para não se desencorajar. E sabia que devia abandonar para sempre a estrada principal. E entrar pelo seu verdadeiro caminho que eram os atalhos estreitos."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 126
  • "Que é que eu faço? Não estou agüentando viver. A vida é tão curta e eu não estou agüentando viver."
- Lóri
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 127
  • "E há um ponto em que o desespero é uma luz e um amor."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 127
  • "Oh Deus! Ter uma vida só era tão pouco!"
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 128
  • "Um direito-de-ser tomou-a, como se ela tivesse acabado de chorar ao nascer. Como? Como prolongar o nascimento pela vida inteira?"
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 128
  • "— Ulisses, não encontro uma resposta quando me pergunto quem sou eu. Um pouco de mim eu sei: sou aquela que tem a própria vida e também a tua, eu bebo a tua vida. Mas isso não responde quem sou eu!
    — Isso não se responde, Lóri. Não se faça de tão forte perguntando a pior pergunta. Eu mesmo ainda não posso perguntar quem sou eu sem ficar perdido."
- Lóri e Ulisses
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 129
  • "E sabia que era uma feroz entre os ferozes seres humanos, nós, os macacos de nós mesmos. Nunca atingiríamos em nós o ser humano. E quem atingia era com justiça santificado. Porque desistir da ferocidade era um sacrifício. Qual fora o apóstolo que dissera de nós: vós sois deuses?"
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 129
  • "O que lhe acontecia era apenas o estado de graça de uma pessoa comum que de súbito se torna real, porque é comum e humana e reconhecível e tem olhos e ouvidos para ver e ouvir."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 132
  • "Porque ela poderia se habituar à felicidade. Sim, porque em estado de graça se era muito feliz. E habituar-se à felicidade, seria um perigo social. Ficaríamos mais egoístas, porque as pessoas felizes o eram, menos sensíveis à dor humana, não sentiríamos a necessidade de procurar ajudar os que precisavam — tudo por termos na graça a compreensão e o resumo da vida."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 133
  • "Havia experimentado alguma coisa que parecia redimir a condição humana, embora ao mesmo tempo ficassem acentuados os estreitos limites dessa condição. E exatamente porque depois da graça a condição humana se revelava na sua pobreza implorante, aprendia-se a amar mais, a esperar mais. Passava-se a ter uma espécie de confiança no sofrimento e em seus caminhos tantas vezes intoleráveis."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 134
  • "É que não quero ser platônica em relação a mim mesma. Sou profundamente derrotada pelo mundo em que vivo. Separei-me só por uns tempos por causa de minha derrota e por sentir que os outros também eram derrotados. Então fechei-me numa individualização que se eu não tomasse cuidado poderia se transformar em solidão histérica ou contemplativa."
- Lóri, sobre por que voluntariamente se afastara das pessoas
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 136
  • "Agora eu quero o que você é, e você quer o que eu sou."
- Ulisses
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 136
  • "Achava agora que a capacidade de sofrer era a medida de grandeza de uma pessoa e salvava a vida interior dessa pessoa."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 137
  • "Naquela hora da noite conhecia esse grande susto de estar viva, tendo como único amparo apenas o desamparo de estar viva. A vida era tão forte que se amparava no próprio desamparo."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 140
  • "Mas a hora mais escura precedeu aquela coisa que ela não queria sequer tentar definir. Esta coisa era uma luz dentro dela, e a essa chamariam de alegria, alegria mansa."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 141
  • "E de súbito o sobressalto de alegria: notava que estava abrindo as mãos e o coração mas que se podia fazer isso sem perigo! Eu não estou perdendo nada! Estou enfim me dando e o que me acontece quando eu estou me dando é que recebo, recebo."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 144
  • "Eles pareciam saber que quando o amor era grande demais e quando um não podia viver sem o outro, esse amor não era mais aplicável: nem a pessoa amada tinha a capacidade de receber tanto."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 146
  • "Saber-se a si mesma era sobrenatural."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 146
  • "Lembrou-se de como era antes destes momentos de agora. Ela era antes uma mulher que procurava um modo, uma forma. E agora tinha o que na verdade era tão mais perfeito: era a grande liberdade de não ter modos nem formas."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 149
  • "Tudo me parece um sonho. Mas não é, disse ele, a realidade é que é inacreditável."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 150
  • "Nós, como todas as pessoas, somos deuses em potencial."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 151
  • "xistir é tão completamente fora do comum que se a consciência de existir demorasse mais de alguns segundos, nós enlouqueceríamos. A solução para esse absurdo que se chama "eu existo", a solução é amar um outro ser que, este, nós compreendemos que exista."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 151
  • "Saiba também calar-se para não se perder em palavras."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 152
  • "Será, Lóri, como a tua frase que sei de cor: será o mundo com sua impersonalidade soberba versus minha individualidade como pessoa mas seremos um só."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 152
  • "Você é a mesma de sempre. Só que desabrochou em rosa vermelho-sangue."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 153
  • "- Você acha que eu ofendo a minha estrutura social com a minha enorme liberdade?
    — Claro que sim, felizmente. Porque você acaba de sair da prisão como ser livre, e isso ninguém perdoa."
- Lóri e Ulisses
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 153
  • "Amor será dar de presente um ao outro a própria solidão? Pois é a coisa mais última que se pode dar de si."
- Editora Rocco Ltda., 1998, página 155